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domingo, 19 de maio de 2013

O último teorema de Fermat


Este artigo é para aqueles que gostam de matemática. Mas, mesmo para aqueles que, como eu, a detestam, é bom ter um vislumbre da complexidade do tema, bem diferente daquela matemática que aprendemos no colégio. Aproveitem!


Foi depois de ler uma série de observações e problemas relativos ao Teorema de Pitágoras e aos triplos pitagóricos, que Fermat olhou mais atentamente para a equação: x2+y2=z2, que tem infinitas soluções e a modificou de modo a obter uma muito semelhante. Passou a considerar uma nova equação em que o expoente era maior do que dois e chegou à proposição: xn+yn=zn, com n>2 e x, y ,z e n inteiros positivos, não tem soluções. 
Fermat não formalizava as suas conclusões. Contentava-se em rabiscar o que era necessário para se recordar de que tinha encontrado uma solução. Muitas vezes usava as margens dos livros para esboçar um comentário, um raciocínio, um pensamento ou alguma nota que achasse mais interessante.
Junto do problema que suscitou aquela nova proposição escreveu, então, a seguinte nota:
"É impossível para um cubo ser escrito como a soma de dois cubos ou uma quarta potência ser escrita como a soma de duas quartas potências ou, em geral, para qualquer número que é uma potência maior do que a segunda, ser escrito como a soma de duas potências com o mesmo expoente."  (Singh, 1998, p. 82)
 Contudo, não apresenta nenhuma demonstração e, na margem do livro, acrescenta apenas:
Descobri uma demonstração maravilhosa desta proposição que, no entanto, não cabe nas margens deste livro. (Aczel, 1997)

Este resultado correu o risco de cair no esquecimento, pois Fermat nunca o revelou aos matemáticos seus contemporâneos. Não fosse o seu filho mais velho perceber a importância das notas escritas pelo pai no exemplar da Arithmetica, reuni-las e publica-las numa edição especial, a Arithmetica de Diofanto Contendo Observações por P. de Fermat, em 1670, não teríamos tomado conhecimento da sua existência. As 48 observações apresentadas neste livro não estavam acompanhadas da respectiva demonstração, mas acabaram por ser provadas, uma após outra, sendo esta, a última. Por esta razão, ficou conhecida como 'O Último Teorema de Fermat' (Singh, 1998).

Capa da edição especial com as notas de Fermat 

A página que contém a famosa observação
Este misterioso comentário manteve gerações de matemáticos ocupados. Durante os séculos seguintes, tentou-se encontrar, de algum modo, uma demonstração da proposição ou constatar que era falsa, o que não aconteceu até 1994. Se Fermat tinha realmente uma demonstração, ninguém sabe. O que sabemos actualmente, é que a demonstração encontrada requer métodos que não estavam disponíveis no século XVII. Mas quer Fermat tenha notado qualquer coisa que escapou a toda agente desde então, quer se tenha iludido a si próprio, a sua observação quase casual, foi responsável por uma vasta quantidade de matemática, como por exemplo, a descoberta da teoria dos Anéis Comutativos. 
De Fermat, conhece-se apenas um esboço de demonstração para n=4. Euler conseguiu uma demonstração para n=3 e o caso n=5 foi provado por Dirichlet, em 1828 e por Legendre, em 1830. Em 1832, Dirichlet prova o resultado para n=14 e em 1839, Gabriel Lamé sugeriu uma demonstração para n=7, mas não estava completamente certa. Sophie Germain provou que se p é primo ímpar menor que cem, a equação não tem solução em inteiros não divisíveis por p. Kummer demonstra o último teorema de Fermat para expoentes n que são primos regulares (inclui todos os primos menores que 100 excepto o 37, 59, 67). Em 1980, Wagstaff mostra que o teorema é válido para todo o n até 125 000 (Stewart, 1995). 
Kummer, em 1847, na tentativa de demonstrar o 'Último Teorema de Fermat', criou o método dos divisores complexos, a que chamou números complexos ideais, contribuindo para o desenvolvimento da teoria dos números (Dantzig, s.d.).
Em 1983, Gerd Faltings descobre que para todo o n>3, a existirem soluções da equação de Fermat, estas são em número finito e mais tarde, D. R. Heath-Brown provou que a proporção de inteiros positivos n para os quais a equação não tem soluções, tende para 100% quando n aumenta (Stewart, 1995).
O 'Último Teorema de Fermat' alcançou grande popularidade pela sua resistência aos poderosos métodos de demonstração da teoria dos números e por ter sido objecto de vários concursos públicos que envolviam avultadas recompensas. Por exemplo, em 1908, o professor Paul Wolfskehl da Real Academia de Göttingen, Alemanha, oferecia um prémio de 100 000 marcos à primeira pessoa que desse uma demonstração completa da conjectura de Fermat. Devido à inflação que se seguiu à 1ª Grande Guerra Mundial, o valor económico deste prémio ficou reduzido a quase nada. Todos os anos, eram enviadas para a Academia, um grande número de «soluções» incorrectas, incluindo algumas de matemáticos profissionais, que chegaram mesmo a publicá-las. Sem excepção, em todas elas foram descobertas algumas falhas (Courant & Robbins, 1958).
Em 1920, quando perguntaram a Hilbert, porque não tentava descobrir uma demonstração, ele respondeu: "Antes de começar, deveria passar três anos a estudar intensamente, e não tenho assim tanto tempo para desperdiçar num provável fracasso." (Stewart, 1995)

No dia 23 de Junho de 1993, após sete anos de trabalho, o matemático Andrew Wiles  anuncia, numa conferência do Sir Isaac Newton Institute for Mathematical Sciences em Cambridge, ter encontrado uma demonstração para o resultado enunciado por Fermat mas, pouco tempo depois, é verificada uma pequena falha. Wiles retira-se durante mais um ano e, finalmente, surge com a demonstração reformulada. Em Novembro de 1994, depois de alguns meses de apreciação das 200 páginas, a sua demonstração é definitivamente aceite. Trata-se de uma demonstração de tal forma técnica que apenas algumas dezenas de matemáticos em todo o mundo estarão em condições de seguir o raciocínio (Aczel, 1997).

Andrew Wiles na conferência em Cambridge 

"O 'Último Teorema de Fermat' é um exemplo de um teorema tão bom, que até os seus fracassos têm enriquecido a matemática de uma forma impossível de quantificar." (Stewart, 1995)